Ensaio
21.08.21
Pensamentos de libertação
Por Denise Ferreira da Silva

Qualquer imagem produzida em outros contextos neste mundo exige disputar com a cena, a cena de violência, e com aquilo que captura o quando, como e onde uma pessoa negra foi morta por um agente policial. O trabalho criativo retorna para essa pessoa e para quem a conhecia e a amava, e deve encarar diretamente o desafio ético-político de trabalhar com o visual de hoje em dia, isto é, encontrar o equilíbrio entre a visibilidade e a obscuridade. A visualidade ou, melhor, “visualizabilidade” – estar disponível nas mídias sociais e acessível por meio de aparelhos eletrônicos – parece ter se tornado o principal (se não o único) critério de realidade, tornando-se crucial para as demandas ético-políticas de proteção das vidas negras, para a responsabilização do Estado e para a Justiça. Sendo assim, o único caminho se faria por meio dessas condições de representação. Quer dizer, o movimento criativo primeiro toma o visualizável como ele é, ou seja, como uma re/composição duplamente removida (ao mesmo tempo transmissão ao vivo, divulgação de notícias e registro) da cena de violência que só nos informa o que aconteceu. Esse movimento expõe o excesso que é o emprego de violência total e das forças policiais como técnica de submissão racial por parte do Estado, removendo ao mesmo tempo a pessoa negra (o pai, a irmã, o amigo) da cena de violência e de sua visualização. Isso é feito com a restauração das dimensões de sua existência que a câmera não é capaz de capturar. Ou seja, o movimento criativo deve proteger (como um gesto ético) a pessoa negra (preservando sua obscuridade) no excesso que é a própria visualização de uma cena de violência total.

Denise Ferreira da Silva

Denise Ferreira da Silva é diretora e professora do Social Justice Institute (grsj) da University of British Columbia, no Canadá. Seus trabalhos artísticos e acadêmicos abordam os desafios ético-políticos do presente global. Vive e trabalha no território tradicional e ancestral do povo Musqueam (xʷməθkʷəy̓əm), disputado pelos indígenas desde o avanço da colonização europeia.

Notas

In: Thoughts of Liberation [Pensamentos de libertação], Canadian Art, 17.6.2020

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